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O Mito da Hospitalidade



Júpiter, o deus criador e seu filho Hermes, quiseram saber como andava o espírito de hospitalidade entre os humanos. Travestiram-se de pobres e começaram a peregrinar pelo mundo afora. Foram maltratados por uns, expulsos por outros. 

Depois de muito peregrinar tiveram de cruzar por uma terra cujos habitantes eram conhecidos por sua rudeza. As divindades sequer pensavam em pedir hospitalidade. Mas à noitinha passaram por uma choupana onde morava um casal de velhinhos, Báucis e Filêmon. Qual não foi a surpresa, quando Filêmon saiu à porta e sorridente foi logo dizendo: Forasteiros, vocês devem estar exaustos e com fome. Entrem. A casa é pobre mas aberta para acolhê-los.

Báucis ofereceu-lhes logo um assento enquanto Filêmon acendeu o fogo. Báucis esquentou água e começou a lavar os pés dos andarilhos. Com os legumes e um pouco de toucinho fizeram uma sopa suculenta. Por fim, ofereceram a própria cama para que os forasteiros pudessem descansar. 

Nisso sobreveio grande tempestade. As águas subiram rapidamente e ameaçavam a região. Quando Báucis e Filêmon quiseram socorrer os vizinhos, ocorreu grande transformação: a tempestade parou e  de repente a pequena choupana foi transformada num luzidio templo dourado. Báucis e Filêmon ficaram estarrecidos. Júpiter foi logo dizendo: por causa da hospitalidade queroatender um pedido que fizerem. Báucis e Filêmon disseram unissonamente: o nosso desejo é servir-vos nesse templo por toda a vida. Hermes não ficou atrás: quero que façam também um pedido. E eles, como se tivessem combinado responderam: depois de tanto amor gostaríamos de morrer juntos. 

Seus pedidos foram atendidos. Um dia, quando estavam sentados no átrio, de repente Filêmon viu que o corpo de Báucis se revestia de folhagens floridas e que o corpo de Filêmon também se cobria de folhas verdes. Mal puderam dizer adeus um ao outro. Filêmon foi transformado num enorme carvalho e Báucis numa frondosa Tília. As copas e os galhos se entrelaçaram no alto. E assim, abraçados, ficaram unidos para sempre. Os velhos, até hoje, repetem a lição: quem acolhe o peregrino, o estrangeiro e o pobre hospeda a Deus. Quem hospede a Deus se faz templo de Deus. Quem faz dos estranhos seus comensáis herda a imortalidade feliz.

(O conto foi-nos transmitido pelo poeta romano Públio Ovídeo (43-37 d.C). Ele pode ser encontrado no Livro Virtudes para um Outro Mundo Possível, Vol 1, de Leonardo Boff).

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