"No última segunda-feira, 22 de abril, foi comemorado o Dia da Terra. O dia foi criado em 22 de abril de 1970 pelo senador estadunidense Gaylord Nelson com o objetivo de criar uma consciência comum aos problemas da contaminação, conservação da biodiversidade e outras preocupações ambientais. Abaixo, faço um pequeno resumo da obra Ethos Mundial, Um Consenso Mínimo Entre os Humanos de Leonardo Boff, entendendo que a perspectiva desse autor é mais abrangente quando falamos dos problemas atuais da humanidade".
Ethos Mundial, Um Consenso Mínimo Entre Os Humanos é uma obra escrita por
Leonardo Boff, teólogo da libertação e referência nacional quando se trata de
temas como ética, ecologia e espiritualidade. O livro é baseado no seguinte
questionamento: Como construir hoje um consenso ético mínimo, fruto do diálogo
entre as muitas culturas e religiões, que nos permita viver em paz e em
prosperidade na única casa comum que possuímos: o planeta Terra?
Segundo o autor, estamos caminhando de forma acelerada rumo à constituição
de uma única sociedade mundial. Esse fênomeno inaugura uma nova etapa da
história da terra, entendida como Gaia, e funda um patamar novo na história
evolutiva dos seres humanos. Os filhos da Terra, dispersos em seus continentes,
regiões e estados-nações, começaram a se mover e a se encontrar no seio da
única casa comum que possuímos, o
planeta Terra. Cada qual carrega suas singularidades culturais, suas
tradições, seus modos de produção, suas formas políticas, suas religiões e seus
códigos éticos. Há conflitos históricos entre os povos, há choques de
civilizações. Então, como garantir o consenso mínimo entre todos para que
possam conviver em paz e em solidariedade? Como encontrar um denominador mínimo
que permita a convergência em meio a diversidade?
Três problemas são apresentados por Leonardo Boff pelos quais se faz
necessário uma ética mundial: a crise social, a crise do sistema de trabalho e
a crise ecológica, todas de dimensões planetárias. Os indicadores da crise social são notórios e não precisaríamos
aduzi-los. A mudança da natureza da operação tecnológica, mediante a
robotização e a informatização, propicionou uma produção fantástica de riqueza.
Ela vem apropriada, de forma altamente desigual, por grandes corporações
transnacionais e mundiais que aprofundam ainda mais o fosso existente entre
ricos e pobres. Essa acumulação é injusta, porque é pessimamente distribuída.
Os níveis de solidariedade entre os humanos decaíram aos tempos da barbárie
mais cruel.
O segundo problema global seria a
crise do sistema de trabalho: as novas formas de produção cada vez mais
automatizadas dispensam o trabalho humano; em seu lugar, entre a máquina
inteligente. Com isso, destroem-se postos de trabalho e tornam-se os
trabalhadores descartáveis, criando um exército imenso de excluídos em todas as
sociedades mundiais. Para o autor, haverá desenvolvimento sem trabalho dentro
de um novo padrão civilizatório. A grande questão não será o trabalho – este no
futuro poderá ser o luxo de alguns -, mas o ócio. Como passar de uma sociedade
de pleno emprego para uma sociedade de plena atividade criativa que garanta a
subsistência individual? Como fazer com que o ócio seja criativo, realizador
das virtualidades humanas? Liberto do regime assalariado a que foi submetido
pela sociedade produtivista moderna,
especialmente a capitalista, o trabalho voltará a sua natureza original: a
atividade criadora do ser humano, a ação plasmadora do real, o demiurgo que
transporá os sonhos e as virtualidades presentes nos seres humanos em práticas
surpreendentes e em obras expressivas do que seja e do que pode ser a
criatividade humana.
Em terceiro lugar temos a crise
ecológica. Nas últimas décadas, temos construído o princípio de
autodestruição. A atividade humana irresponsável, em face da máquina de morte
que criou, pode produzir danos irreparáveis à biosfera e destruir as condições
de vida dos seres humanos. Numa palavra, vivemos sob uma grave ameaça de
desequílibrio ecológico que poderá afetar a Terra como sistema integrador de
sistemas.
Qual seria a revolução possível em tempos de globalização? A causa
principal da crise social se prende à forma como as sociedades modernas se
organizaram no acesso, na produção e na distribuição dos bens da natureza e da
cultura. Essa forma é profundamente desigual, porque privilegia as minorias que
detém o ter, o poder e o saber sobre as grandes maiorias que vivem do trabalho;
A raíz do alarme ecológico reside no tipo de relação que os humanos, nos
últimos séculos, entretiveram com a Terra e o seus recursos: uma relação de
domínio, de não reconhecimento de sua alteridade e de falta do cuidado
necessário e do respeito imprescindível que toda alteridade exige.
A saída proposta por muitos analistas é que nós assumamos – é a razão do
escrito desse livro – o desafio de encontrar uma nova base de mudança
necessária. Essa deveria apoiar-se em algo que fosse realmente comum e global,
de fácil compreensão e realmente viável. Partirmos da hipótese que essa base
deve ser ética, de uma ética mínima, a partir da qual se abririam
possibilidades de solução e salvação da terra, da humanidade e dos
desempregados estruturais. Deve-se-á, pois, fazer um pacto ético, fundado, como
veremos, não tanto na razão ilustrada, mas no pathos, vale dizer, na
sensibilidade humanitária e na inteligência emocional expressas pelo cuidado,
pela responsabilidade social e ecológica, pela solidariedade “generacional” e
pela compaixão, atitudes capazes de comover as pessoas e de movê-las para uma
nova prática histórico-social libertadora. Urge uma revolução ética mundial. O
ethos configura a atitude de responsabilidade e de cuidado com a vida, com a
convivência societária, com a preservação da Terra, com cada um dos seres nela
existentes e com a identificação de uma derradeiro sentido do universo.
Faz-se mister, pois, por um lado, manter as culturas em sua singularidade
e, por outro, abri-las a um diálogo obrigatório com todas as demais, com as
perdas e ganhos que tal processo comporta. Caso contrário, fecham-se sobre si
mesmas e originam os fundamentalismos de toda matiz. Mas, ao se abrirem,
revelam virtualidades latentes insuspeitadas, enriquecendo a si mesmas e as
outras culturas.
Como construir uma plataforma comum sobre a qual todos possamos nos
assentar e nos entender? Para viverem como humanos, os homens e mulheres
precisam criar certos consensos, coordenar certas ações, coibir certas práticas
e elaborar expectativas e projetos coletivos. Sempre houve tal fato desde os
primórdios da construção das comunidades humanas. Numa perspectiva planetária,
ganha centralidade a dimensão coletiva, afetando não apenas as sociedades, mas,
devido à interdependência de todas com todas, o próprio sistema social mundial.
As morais particulares e pessoas devem se abrir a uma ética global cuja
conseqüência seja a salvaguarda da integridade do criado e da humanidade
(princípio social).
O útil e o bom, para ser eticamente responsável, deve-se orientar por uma
hierarquia de prioridades (princípio da regra). Após havermos garantido o
planeta Terra, a biosfera e a espécie homo, deverá ser salvaguardo o
pobre, o oprimido, o marginalizado e o
excluído. Estes são os seres mais ameaçados da criação, pois morrem, de fato,
antes do tempo. Ligado a eles, deverá ser garantida uma sociedade justa, porque
se eles morrem antes do tempo é por causa de injustiça social e ecológica. Em
seguida, devem ganhar especial atenção as culturas em extinção, como as
culturas originárias dos indígenas, as etnias ameaçadas e as minorias
oprimidas. Por fim, há de se cuidar atentamente do equilíbrio total do
sistema-Terra, que permite a todos os seres humanos continuarem a existir e a
viver.
Mas, o projeto da modernidade contina inacabado. Pode e deve ser
completado mediante o incremento de sua dimensão ética pela via da mais ampla emancipação e concretização
dos direitos do cidadão, da democracia e dos meios do diálogo e da ação
comunicativa. É o esforço da proposta filosófica e crítico-social de Habermas.
Tanto ele quanto as várias tendências afins articulam duas tradições
importantes da ética: a tradição kantiana do dever e do imperativo categórico e
a tradição marxista do sentindo da emancipação, da justiça social e da
democracia integral aplicada em todos os âmbitos (socialismo). Uma sociedade
moderna e democrática se constrói à medida que vive uma prática de comunicação
permanente (kommunikatives Handeln) e
alcança seus consensos mediante o diálogo generalizado e o discurso razonado.
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