A morte do Vaqueiro é um clássico
da música nordestina. Escrita por Luiz Gonzaga e o seu filho Gonzaguinha conta
a história do vaqueiro Raimundo Jacó. Em das interpretações mais clássicas do
Luiz Gonzaga ele conta que Raimundo era o seu primo e foi o maior vaqueiro que
ele conheceu. Ele teria sido assassinado, de maneira covarde, enquanto estava
trabalhando no sol escaldante do sertão. O assassinato foi cometido por pessoas
poderosas e fica evidente a existência de uma motivação política nessa ação. A
angústia de Luiz Gonzaga é que o assassinato jamais foi investigado pela
polícia, que nem mesmo um inquérito abriu, levando-o a utilizar a expressão “a
justiça do homem deu para o mundo”. Diante desses fatos a única coisa que Luiz
Gonzaga poderia fazer era denunciar a covardia dos homens e o desinteresse da
lei em respeitar os direitos dos pobres.
Passadas mais de três décadas
dessa canção que retratava um Brasil cuja justiça é financiada por pessoas “poderosas”,
os números atuais evidenciam que poucas coisas mudaram. Raimundos Jacós
continuam sendo assassinados e sendo esquecidos pela justiça brasileira. Outros
tantos são acusados e condenados por crimes que jamais cometerem. A lei
brasileira garante que não existe pena de morte em seu território, mas essa lei
atende a uma determinada classe, pois aqueles que vivem na periferia, em sua
grande maioria jovens negros e negras, convivem diariamente com a perda
repentina de seus familiares, muitas vezes em ações orquestradas pelo próprio
estado. Falar em acesso à justiça continua sendo uma utopia para milhares de famílias
brasileiras.
O assunto do sistema judiciário
brasileiro está em alta por conta das últimas publicações feita pelo Intercept
Brasil sobre a condenação do ex-presidente da república Luiz Inácio Lula da
Silva. As reportagens demonstram claramente, e não há dúvidas sobre a
existência dos diálogos, que houve um acordo entre Ministério Público e o juiz Sérgio
Moro para a condenação do ex-presidente. Em outros diálogos fica evidente que
os promotores e juiz tinham como objetivo evitar a candidatura do ex-presidente
nas eleições de 2018. Dessa forma, o sistema judiciário era utilizado para
poder condenar uma pessoa sem provas. Agora, imagina se fizeram isso com um
ex-presidente da república, o que não fazem vários juízes e promotores,
diariamente, nos diversos tribunais brasileiros? Quantas vezes um pobre foi até
um tribunal para ter a sua questão julgada, mas saiu derrotado sem motivos aparentes
e a sua causa foi recusada?
Tenho defendido que Lula Livre
não seja uma luta pela liberdade individual do ex-presidente, mas todo um
movimento de construção de um judiciário que não tenha lado político e que não
julgue em favor dos poderosos. A liberdade de Lula não significará que o
judiciário abandonará práticas que desrespeitam os mais pobres e os
criminaliza, significará apenas a liberdade dele e muitos continuarão presos
injustamente. Uma reforma do judiciário se faz necessária e urgente nesse contexto,
entretanto ela não acontecerá sem uma mobilização que agregue os mais variados
atores da sociedade, inclusive aqueles que mais sofrem com as prisões injustas.
As últimas revelações sobre os ratos dos porões da lava jato talvez não
apresentem nenhum resultado prático, como diria Luiz Gonzaga: a justiça dos
homens pode dar para o mundo. O sistema irá se readequar para poder justificar
as ações ilícitas dos promotores e juízes. Restará para Lula canções e missas,
como restaram para o Raimundo Jacó.
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