Pular para o conteúdo principal

Sua Luta Não é Apenas Por Um Futuro Melhor, Mas Por um Presente Mais Justo e Humano.


Nos últimos anos, tenho me dedicado a desenvolver ações, em parceria com adolescentes e jovens, voltadas à promoção de espaços seguros e à construção de comunidades mais acolhedoras e protegidas, onde possam desenvolver plenamente todas as suas potencialidades. Essa não tem sido uma tarefa fácil. Vivemos em um contexto desafiador, marcado pelo aumento da violência, pela redução do Estado como provedor de serviços essenciais e pelo impacto ambíguo das redes sociais. Embora essas plataformas sejam uma fonte valiosa de conhecimento e conexão, também podem se tornar veículos rápidos para a disseminação de desinformação e mentiras.

Com as experiências vividas no último ano, alguns sinais de esperança começaram a se desenhar a partir das ações lideradas por grupos de adolescentes presentes em algumas comunidades de cidades cearenses. Relatá-las é importante porque traz uma dimensão afetiva, comunitária e engajada com mudanças em quadros de vulnerabilidade que parecem estar estáticos nesse período. Essas experiências nascem do compromisso de populações que, inseridas em graves quadros de vulnerabilidade, buscam desenhar e implementar iniciativas, com ou sem apoio do poder público, que lhes permitem se deslocar, às vezes de forma lenta, para uma posição de maior segurança e esperança. Vimos que é possível atuar pela melhoria da escola pública, do saneamento, do esporte e da cultura, ao mesmo tempo em que se denunciam as mazelas sociais presentes na sociedade brasileira: racismo, machismo, desigualdade, entre outras.

Quando pensamos em grupos de adolescentes que monitoram políticas públicas, é importante destacar que o monitoramento, na verdade, vem em segundo plano. O objetivo inicial é sempre construir um espaço onde o adolescente se sinta verdadeiramente pertencente. Eu costumo chamar isso de dimensão afetiva do trabalho realizado nessas parcerias. Aprendi, desde cedo, que muitos adolescentes que optam por se integrar a grupos armados o fazem justamente pela necessidade de pertencimento. Para eles, esses grupos os tornam “considerados” dentro da comunidade. Portanto, criar um ambiente onde eles se sintam acolhidos, valorizados e parte de algo maior é o primeiro passo em direção da compreensão que eles fazem parte de uma comunidade.

A dimensão comunitária desse trabalho surge dos laços afetivos construídos por adolescentes e jovens que compartilham sonhos e medos reais. Nenhum deles é igual ao outro, e a discordância é, sem dúvida, um sentimento presente em muitos momentos. No entanto, essa divergência não é capaz de separá-los quando estão unidos por um objetivo comum: todos sabem que é preciso lutar pelo fim da violência. Não estou mergulhando aqui no conceito de comunidade proposto por Bauman, que, embora eu admire, demandaria muitas linhas para ser discutido nesta breve reflexão. Quando falo de dimensão comunitária, refiro-me à comunidade física, aos locais que habitamos e que passamos a chamar de lar.

Vou além. Quando menciono comunidade, tenho em mente o Residencial Novo Caiçara, em Sobral/CE, onde se desenha o seguinte cenário: em meio a notícias de violência e segregação, adolescentes e jovens promovem o acolhimento, a valorização da vida e a segurança por meio da incidência política em prol do bem-viver. Essa comunidade, tanto física quanto de identidade compartilhada, é um espaço onde se pode sonhar com dias melhores.

Sonhar com dias melhores, ou a utopia, no conceito popularizado por Eduardo Galeano e atribuído a Fernando Birri, nos lembra que: “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Essa é a essência do engajamento encontrado nesses grupos e naqueles que os antecederam. Construir laços afetivos de pertencimento, promover o fortalecimento da comunidade e engajar-se na luta por mudanças necessárias em seu território são dimensões fundamentais da transformação social.

Hoje, muitas pessoas estão envolvidas em diversas temas sociais, algumas com consequências nefastas para si mesmas, sem perceber o mal presente em algumas propostas. Em contraste, esses adolescentes demonstram um engajamento consciente: sabem onde estão inseridos, vivenciam as dificuldades de sua realidade e buscam caminhos para superar a violência. Eles agem assim porque, sentindo na pele as marcas da desigualdade, conseguiram refletir profundamente e construir alternativas para um outro mundo possível. Sua luta não é apenas por um futuro melhor, mas por um presente mais justo e humano.


Régis Pereira

Fortaleza, 17 de fevereiro de 2025

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Turminha dos Direitos Humanos, Não Encham o Meu Saco"

  Esperei uma semana para escrever este texto, pois em momentos de luto, a única coisa que podemos fazer é oferecer nossa solidariedade aos familiares e amigos, acolhendo a dor e a revolta daqueles que se indignam com a falta de segurança em nosso cotidiano. Há uma semana, a jovem Natany Alves, de Quixeramobim, no Ceará, foi brutalmente assassinada por três homens que a sequestraram enquanto ela estava em seu carro, próximo à sua igreja. Na mesma semana, a mais de 2 mil quilômetros de distância, bandidos tentaram invadir uma delegacia no Rio de Janeiro para resgatar um conhecido traficante. Atualmente, a capital fluminense e a região da Baixada são controladas por diversos grupos armados, que envolvem facções, milícias e outros modelos de organizações criminosas. O sociólogo José Cláudio, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ), faz uma afirmação contundente: “No Rio de Janeiro, a milícia não é um poder paralelo. É o estado”. Talvez você me questione qual é a relação ...

Quando eles falham, elas pagam: O peso desproporcional sobre as mulheres na política brasileira.

  Na semana passada, em um diálogo com a cientista social potiguar Aizianne Leite, ela chamou minha atenção para o fato de que 'as mulheres estão sendo atacadas não só pelo que conquistaram, mas também pelo medo da perda de privilégios por parte de alguns homens'. Segundo suas palavras, as mulheres são a oposição mais estruturada neste momento da história e, por isso, a extrema direita e outros grupos, às vezes com alcunha de progressistas, querem dividi-las. Nosso diálogo aconteceu no contexto da saída da ministra da Saúde Nísia Trindade do governo Lula, que se tornou a terceira mulher demitida nesses dois últimos anos. O terceiro governo Lula tem sido marcado por dificuldades de articulação política com o Congresso e outros setores da sociedade. As transformações ocorridas desde o golpe de 2016 ampliaram o poder de deputados e senadores, resultando em uma influência crescente sobre o orçamento público, sem as responsabilidades correspondentes que recaem sobre o Executivo. O...