Desde que realizei a primeira comunhão, em meados dos anos 2000, não sou mais católico. Nesse período, tive a oportunidade de conhecer um bom número de expressões de fé e aprender com cada uma delas. Estive dos terreiros de umbanda aos templos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, conhecida popularmente como igreja dos “mórmons”. Entretanto, a maior parte da minha vida foi dedicada à igreja protestante — mesmo que esse termo ainda seja mal compreendido por boa parte dos brasileiros.
Como protestante, fui evangelizado para ser anticatólico durante boa parte da minha vida. Faço um parêntese aqui: nos fundamentos do evangelho, tive o privilégio de ser ensinado por pessoas que estavam mais preocupadas em servir do que em acusar os outros, o que contribuiu para que eu mantivesse uma porta aberta para aprender. Entretanto, essa não foi a norma. A cada templo visitado, em cada liturgia e homilia proferida, o viés anticatólico surgia, criando uma ideia de inimigos constantes e uma luta que parecia não ter vencedores.
Com o passar do tempo, fui sendo apresentado a pessoas que ressignificaram o evangelho para mim — de padres comprometidos com os pobres e marginalizados a fiéis que exerciam um ministério de misericórdia, e que inspiraram a minha caminhada. Aprender com eles e compartilhar minhas angústias, temores e vitórias fez de mim uma pessoa um pouco melhor. Pude entender que, além das instituições organizadas, com suas hierarquias e seus dogmas, a fé e o amor continuam transpassando, buscando alcançar aqueles que estiverem sensíveis ao chamado.
Faço essa introdução para conectá-lo ao dia de hoje, quando o Papa Francisco fez sua passagem. Um misto de sentimentos percorre meu coração. Não sou católico romano, mas, ao longo dos anos, aprendi a observar sua liderança e me encantar por seus ensinamentos. Talvez esse seja um dos maiores legados do papado de Francisco: conseguir conectar pessoas que não faziam parte do mundo católico aos seus ideais de um mundo mais justo, igualitário e misericordioso. O mundo ocidental sente sua partida, temeroso de que outro líder tão próximo das necessidades dos mais vulneráveis não possa substituí-lo. E, neste mundo já marcado por conflitos, guerras e mentiras, a ausência de Francisco será sentida de maneira contundente.
Creio que, neste momento, não seja necessário pensar no futuro. Nestes dias, é preciso viver o luto. Reunir todos os ensinamentos e refletir sobre todos os atos de Francisco se faz necessário. É tempo de observação, de sentir a dor da partida e de recordar a esperança que vivemos. Em suas últimas palavras, no dia da Ressurreição de Cristo, na Páscoa do Senhor, Francisco condenou as guerras, lembrou dos palestinos, ucranianos, sudaneses e tantos outros povos que vivem a tormenta da guerra. No luto que vivo, reflito sobre sua convocação, que, independente de sermos cristãos católicos ou protestantes, traz a essência do evangelho:
"Este é o anúncio da Páscoa: É preciso procurá-lo noutro lugar. Cristo ressuscitou, está vivo! Não ficou prisioneiro da morte, já não está envolvido pelo sudário e, por isso, não podemos encerrá-lo numa bonita história para contar, não podemos fazer dele um herói do passado ou pensar nele como uma estátua colocada na sala de um museu! Pelo contrário, temos de O procurar, e, por isso, não podemos ficar parados. Temos de nos pôr em movimento, sair para O procurar: procurá-lo na vida, procurá-lo no rosto dos irmãos, procurá-lo no dia a dia, procurá-lo em todo o lado, exceto naquele túmulo". (Papa Francisco, 20 de abril de 2025).
Fortaleza, 21 de abril de 2025
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