Na semana passada, em
um diálogo com a cientista social potiguar Aizianne Leite, ela chamou minha
atenção para o fato de que 'as mulheres estão sendo atacadas não só pelo que
conquistaram, mas também pelo medo da perda de privilégios por parte de alguns
homens'. Segundo suas palavras, as mulheres são a oposição mais estruturada
neste momento da história e, por isso, a extrema direita e outros grupos, às
vezes com alcunha de progressistas, querem dividi-las. Nosso diálogo aconteceu
no contexto da saída da ministra da Saúde Nísia Trindade do governo Lula, que
se tornou a terceira mulher demitida nesses dois últimos anos.
O terceiro governo
Lula tem sido marcado por dificuldades de articulação política com o Congresso
e outros setores da sociedade. As transformações ocorridas desde o golpe de
2016 ampliaram o poder de deputados e senadores, resultando em uma influência
crescente sobre o orçamento público, sem as responsabilidades correspondentes
que recaem sobre o Executivo. O cerne do problema parece residir na articulação
política, tarefa atribuída aos ministérios criados especificamente para essa
função. No entanto, os homens que ocupam essas pastas falharam em cumprir seu
papel. Curiosamente, são as mulheres que têm arcado com as consequências desses
erros, pagando um preço desproporcional pelas falhas alheias.
Em julho de 2023, a
ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi substituída pelo deputado Celso
Sabino, com a justificativa de atender aos interesses do partido União Brasil.
Em setembro do mesmo ano, a ministra do Esporte, Ana Moser, foi substituída
pelo deputado André Fufuca, para atender aos interesses do presidente da Câmara
Federal, Artur Lira. Em sua saída, Ana Moser afirmou: 'As decisões, mesmo com a
participação de mulheres, ainda são tomadas por homens'. A saída da ministra
Nísia Trindade da Saúde não tem relação com sua competência para o cargo, mas
sim com o fato de que ela não conseguia fazer a articulação política que era
papel de outros ministros. Essas demissões deram a sensação de que um governo
eleito em sua grande maioria por mulheres culpabiliza essas mesmas mulheres
pelos erros grotescos dos homens. Não apenas o governo, mas também a grande
imprensa contribui para esse cenário, a ponto de criar um dossiê sobre a
primeira-dama Janja da Silva, expondo fatos que invadem sua privacidade e
sugerindo, sem base, que ela influencia o presidente a ser um mal articulador
político. Parece que, para alguns, a culpa por todos os problemas recai sobre
as mulheres do governo.
Poderíamos imaginar
que se trata de um fenômeno específico do governo Lula III, entretanto, não precisamos
voltar muito no tempo para lembrarmos do impeachment da ex-presidenta Dilma
Rousseff. As contribuições da imprensa, as imagens criadas com a fotografia da
ex-presidenta, revelavam toda a misoginia presente na sociedade brasileira. Sua
coragem ao enfrentar acusações infundadas de seus opositores, o boicote
sistemático do Congresso às suas ações e, ainda assim, sua capacidade de manter
a ética e a firmeza diante de adversidades — desde a resistência à ditadura
militar de 1964 — são qualidades que me fizeram admirá-la como política e ser
humano. O grande opositor de Dilma Rousseff era um deputado, amplamente acusado
de corrupção e posteriormente preso, que foi alardeado pela grande imprensa como
um baluarte da honestidade.
A garantia da
presença das mulheres nos espaços de tomada de decisão ainda é insuficiente,
mesmo em governos eleitos democraticamente com a promessa de ampliar essa
representatividade. Essa presença enfrentará resistências de grupos de extrema
direita presentes no Congresso brasileiro, o que torna inaceitável naturalizar
a demissão de ministras pelo governo Lula, especialmente quando ele não
consegue cumprir a articulação política necessária para manter a
governabilidade. Como bem destacou Aizianne Leite, as mulheres constituem a oposição
mais bem estruturada neste momento histórico, sendo fundamental que as
instâncias de poder ampliem o diálogo com elas.
Régis Pereira
Fortaleza, 08 de março de 2025
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