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Postagens

Rio de Sangue: O Estado que Combate com as Armas e Perde com as Vidas

Nas últimas décadas, observa-se a expansão e consolidação de organizações criminosas no Brasil, abrangendo tanto as facções criminosas quanto os grupos milicianos. Essa atuação tem resultado na infiltração progressiva dessas entidades ilegais nas estruturas estatais de segurança pública. Conforme estudo publicado pela Cambridge University Press, cerca de 50 milhões de brasileiros, o equivalente a aproximadamente 24% da população, residem em territórios sob domínio de facções criminosas. Nessas áreas, tais grupos armados impõem um regime de intimidação e violência, suplantando a presença do Estado e assumindo o controle de funções públicas essenciais que, por direito, caberiam ao poder público oferecer de forma legítima e institucional. A operação conduzida pela polícia do Rio de Janeiro em 28 de outubro de 2025 não representa uma iniciativa inédita no enfrentamento à criminalidade organizada. O saldo de 121 mortos a consagrou como a operação policial mais letal da história do país. C...
Postagens recentes

Por Organizações da Sociedade Civil Justas com Quem Luta por Justiça

Tenho trabalhado em organizações da sociedade civil por mais de quinze anos, reunindo experiências que vão desde educador social a coordenação de projetos relevantes regionalmente. Durante esses anos, enfrentei diversos desafios que iam dos relacionamentos interpessoais a dificuldades de implementação de iniciativas que, no papel, faziam muito sentido, mas que, na prática, não apresentavam os resultados esperados. Estas organizações, o mundo das organizações sociais não governamentais, podem ser, ao mesmo tempo, prazerosas no sentido da realização pessoal, mas tão desafiante e focadas em metas quanto o segundo setor. A missão central das organizações da sociedade civil é a garantia de direitos para populações em situação de vulnerabilidade e exclusão social. Para cumprir esse propósito, contam com equipes de alta dedicação, que, no entanto, frequentemente operam em um cenário de duplo desafio: remuneração aquém do mercado e condições operacionais muitas vezes precárias. A despeito de...

Leitura Semanal: Hibisco Roxo (Chimamanda Ngozi Adichie)

Hibisco Roxo é um livro da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, uma das mais importantes autoras da língua inglesa na atualidade, reconhecida mundialmente por suas obras e pela luta pelos direitos das mulheres e outras questões de relevância social. Há cerca de cinco anos, assisti a um TED intitulado “O perigo de uma história única” , conduzido por Adichie, e posteriormente li Sejamos Todos Feministas , uma adaptação de outro de seus discursos. Hibisco Roxo narra a história de Kambili e sua família. Seu pai, um cristão católico conservador, oscila entre a generosidade e a violência. O enredo se passa na Nigéria, que sucumbe a um golpe militar logo após uma sangrenta guerra civil. A Igreja Católica é forte no estado, destruindo tradições locais e demonizando tudo o que não parece europeu e branco. A colonização branca surge como uma das principais responsáveis pelo quadro de injustiça social presente no país. A memória do povo é preservada por Papa-Nnukwu, avô de Kambili, de...

Luto e Esperança: A Passagem de Francisco

  Desde que realizei a primeira comunhão, em meados dos anos 2000, não sou mais católico. Nesse período, tive a oportunidade de conhecer um bom número de expressões de fé e aprender com cada uma delas. Estive dos terreiros de umbanda aos templos da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, conhecida popularmente como igreja dos “mórmons”. Entretanto, a maior parte da minha vida foi dedicada à igreja protestante — mesmo que esse termo ainda seja mal compreendido por boa parte dos brasileiros. Como protestante, fui evangelizado para ser anticatólico durante boa parte da minha vida. Faço um parêntese aqui: nos fundamentos do evangelho, tive o privilégio de ser ensinado por pessoas que estavam mais preocupadas em servir do que em acusar os outros, o que contribuiu para que eu mantivesse uma porta aberta para aprender. Entretanto, essa não foi a norma. A cada templo visitado, em cada liturgia e homilia proferida, o viés anticatólico surgia, criando uma ideia de inimigos consta...

Quando eles falham, elas pagam: O peso desproporcional sobre as mulheres na política brasileira.

  Na semana passada, em um diálogo com a cientista social potiguar Aizianne Leite, ela chamou minha atenção para o fato de que 'as mulheres estão sendo atacadas não só pelo que conquistaram, mas também pelo medo da perda de privilégios por parte de alguns homens'. Segundo suas palavras, as mulheres são a oposição mais estruturada neste momento da história e, por isso, a extrema direita e outros grupos, às vezes com alcunha de progressistas, querem dividi-las. Nosso diálogo aconteceu no contexto da saída da ministra da Saúde Nísia Trindade do governo Lula, que se tornou a terceira mulher demitida nesses dois últimos anos. O terceiro governo Lula tem sido marcado por dificuldades de articulação política com o Congresso e outros setores da sociedade. As transformações ocorridas desde o golpe de 2016 ampliaram o poder de deputados e senadores, resultando em uma influência crescente sobre o orçamento público, sem as responsabilidades correspondentes que recaem sobre o Executivo. O...

"Turminha dos Direitos Humanos, Não Encham o Meu Saco"

  Esperei uma semana para escrever este texto, pois em momentos de luto, a única coisa que podemos fazer é oferecer nossa solidariedade aos familiares e amigos, acolhendo a dor e a revolta daqueles que se indignam com a falta de segurança em nosso cotidiano. Há uma semana, a jovem Natany Alves, de Quixeramobim, no Ceará, foi brutalmente assassinada por três homens que a sequestraram enquanto ela estava em seu carro, próximo à sua igreja. Na mesma semana, a mais de 2 mil quilômetros de distância, bandidos tentaram invadir uma delegacia no Rio de Janeiro para resgatar um conhecido traficante. Atualmente, a capital fluminense e a região da Baixada são controladas por diversos grupos armados, que envolvem facções, milícias e outros modelos de organizações criminosas. O sociólogo José Cláudio, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRRJ), faz uma afirmação contundente: “No Rio de Janeiro, a milícia não é um poder paralelo. É o estado”. Talvez você me questione qual é a relação ...

Sua Luta Não é Apenas Por Um Futuro Melhor, Mas Por um Presente Mais Justo e Humano.

Nos últimos anos, tenho me dedicado a desenvolver ações, em parceria com adolescentes e jovens, voltadas à promoção de espaços seguros e à construção de comunidades mais acolhedoras e protegidas, onde possam desenvolver plenamente todas as suas potencialidades. Essa não tem sido uma tarefa fácil. Vivemos em um contexto desafiador, marcado pelo aumento da violência, pela redução do Estado como provedor de serviços essenciais e pelo impacto ambíguo das redes sociais. Embora essas plataformas sejam uma fonte valiosa de conhecimento e conexão, também podem se tornar veículos rápidos para a disseminação de desinformação e mentiras. Com as experiências vividas no último ano, alguns sinais de esperança começaram a se desenhar a partir das ações lideradas por grupos de adolescentes presentes em algumas comunidades de cidades cearenses. Relatá-las é importante porque traz uma dimensão afetiva, comunitária e engajada com mudanças em quadros de vulnerabilidade que parecem estar estáticos nesse ...